Por Miguel Machado • 31 Out , 2019
BATARIA DA LAGE, O EXEMPLO DA ASSOCIAÇÃO DE COMANDOS
A Bataria da Lage no Concelho de Oeiras, frente ao Farol do Bugio, é uma excepção no panorama das antigas Batarias de Artilharia de Costa que ao longo de séculos defenderam as barras dos portos de Lisboa e Setúbal. Está preservada graças ao trabalho de uma organização não-governamental, a Associação de Comandos, que oficialmente a recebeu em 12 de Julho de 2002 depois de um longo processo. Dá gosto ver os resultados alcançados, os melhoramentos que continuam a ser feitos.
Oficialmente entregue à Associação de Comandos em 2002, a antiga Bataria da Lage do Regimento de Artilharia de Costa, localizada em Oeiras entre a Praia da Saisa e a de Santo Amaro, frente ao Tejo e ao Atlântico, é um bom exemplo de aproveitamento e conservação do património histórico-militar.
Património Histórico-Militar da Artilharia de Costa
O Operacional tem publicado vários artigos dedicados à Artilharia de Costa, quer em Portugal quer no estrangeiro sobretudo porque no nosso país este é um património histórico que tem sido muitíssimo maltratado. Parte significativa está mesmo ao abandono e as soluções teimam em não aparecer. Nesse sentido mostramos ao longo dos anos – e já são 10! – o que de melhor se faz no estrangeiro neste campo – Espanha, Gibraltar, Malta são alguns países onde encontramos bons exemplos e aqui já os mostramos. Hoje apresentamos um bom exemplo em Portugal!
Felizmente ainda há outros bons exemplos, como o Forte do Bom Sucesso em Belém, entregue à Liga dos Combatentes que ali instalou o Museu do Combatente, e há casos nos quais ainda pode haver uma boa solução sem grande investimento, como a antiga 6.ª Bataria do Regimento de Artilharia de Costa (Fonte da Telha); outras batarias/fortificações estão relativamente preservadas porque ocupados por instituições oficiais – mas de muito difícil ou impossível acesso a um visitante – como o Forte do Alto do Duque (Policia de Segurança Pública), o Forte de Almada (Guarda Nacional Republicana), ou o Forte de São Julião da Barra (Ministério da Defesa Nacional); outros há onde o estado de degradação a que se chegou obrigará a enormes investimentos para salvar o que ainda for possível, dois casos dos mais gritantes são as antigas 2.ª Bataria do RAC na Parede e a 7.ª no Outão.
No Museu Militar da Madeira (Funchal) há peças de costa preservadas e visitáveis, assunto ao qual esperamos voltar, mais um bom exemplo a registar.
Nos Açores a Câmara Municipal de Ponta Delgada e o Museu Militar têm intenção de transformar o antigo quartel e Bataria da Castanheira num jardim e miradouro sobre Ponta Delgada, assim como numa fase posterior, musealizar o complexo subterrâneo que ficará à responsabilidade do Museu Militar dos Açores. A Câmara Municipal da Horta lançou em 2017 um concurso de ideias destinado à dinamização e gestão da antiga Bateria de Costa na Espalamaca que já foi desarmada mas mantém um complexo subterrâneo. Este ano voltou-se a falar do assunto publicamente mas não há desenvolvimentos.
As peças 15cm/40 CTR m/902 Krupp da 3.ª Bataria do RAC fizeram fogo até 1995.
Com a extinção do RAC em 1998 o Exército abandonou as instalações e iniciou-se um longo processo de transferência da antiga unidade para a Associação de Comandos.
De Bataria Rainha Dona Maria Pia a Bataria da Lage
Neste local foi construída em 1887 e 1889 uma bataria de artilharia preparada para ser equipada com 3 peças de 28 cm Krupp mas acabou por ser equipada em 1902 com peças do mesmo fabricante alemão, mas as 15cm de tiro rápido: 15cm/40 CTR m/902 Krupp.
Em 3 de Fevereiro de 1903 foi integrada no então denominado Campo Entricheirado de Lisboa, o qual era comandando pelo Infante D. Afonso de Bragança, irmão do Rei D. Carlos, que estiveram presentes ao acto e aos exercícios nocturnos com apoio do Projector da Bataria. Por aqui se vê a importância dada nessa época a esta fortificação, tendo sido ali executado fogo real pela primeira vez em 1904.
Os anos seguem com exercícios e a bataria conhece alguma actividade operacional em 1936 no processo de evitar a saída da barra de Lisboa dos navios revoltosos que pretendiam dirigir-se para Espanha a fim de apoiar o “Bando Republicano”. Esta bataria terá participado na acção conjunta com os Forte de Almada e do Alto do Duque. Em 1942 em plena 2.ª Guerra Mundial as 3 peças são retiradas e enviadas para Moçambique.
Portugal iria manter-se neutral durante o conflito mas, pelo sim pelo não, foi instituída uma comissão luso-britânica, da qual resultou um relatório elaborado pelos britânicos Major-General F.W. Barron (ou Barrow?) e Comandante Vaughaun, sobre a defesa costeira da região de Lisboa, as necessidades da altura e aquisição de novos materiais. Daqui decorreu a última reorganização de fundo da Artilharia de Costa em Portugal, faseadamente implementada – na quase totalidade – e previa: um Comando de Defesa de Costa; dois Grupos de Artilharia de Costa de Contrabombardeamento (Lisboa e Setúbal) e duas redes de telemetria e observação; dois Grupos de Artilharia de Costa de Defesa Próxima (no Tejo e no Sado) e duas defesas contra pequenas unidades navais, duas zonas iluminadas, duas zonas de projectores de descoberta, uma faixa de minas comandada, uma barreira no rio para protecção interior do porto, ancoradouros e fundeadouros para fiscalização. Em 1948 a primeira bateria deste “Plano Barron” (ou Plano B), como ficou conhecido, estava operacional e em 1960 a última, a da Fonte da Telha. Esta, com seu material 23,4cm, é hoje a única no mundo com estas armas que está em bom estado de conservação – isto foi referido no local por visitantes do Fortress Study Group em 2015. Desejamos que ainda seja possível salvar este património!
A Lage em Novembro de 1946 recebeu as peças que estão hoje na Bataria (as 15cm/40 CTR m/902 Krupp), depois novos projectores, as infra-estruturas foram modernizadas e integrou o “Plano B” em 1951. Depois de terminada a Guerra no Ultramar (1961-1975) passou a constituir a 3.ª Bataria do Regimento de Artilharia de Costa, ou Bataria da Lage. Executou a última sessão de tiro real em 1995 e em 1998 o RAC foi extinto. Terá sido por volta desta data que foi “apalavrada” à Associação de Comandos, um processo que não foi fácil nem rápido, e durante o qual perante o abandono pelo Exército das instalações a Bataria foi vandalizada!
Bataria da Lage e Associação de Comandos
As imagens da actualidade que apresentamos falam por si. É preciso no entanto recordar que a Bataria da Lage estava completamente abandonada e degradada, as peças todas cheias de grafittis e…enfim, o panorama que várias outras Batarias apresentam. A Associação de Comandos meteu mãos à obra, antigos Comandos perderam muitas noites para afastar gente de toda a espécie do perímetro da “unidade”, mas pouco a pouco o trabalho e persistência dos comandos deram frutos: “…após vários e porfiados esforços junto do governo, à Associação de Comandos … … foi-lhe cedido para sua Sede Nacional, o PM 23/Oeiras – Bataria da Lage…” e o Auto de Entrega foi finalmente assinado em 12 de Julho de 2002, no Quartel do Regimento de Artilharia Anti Aérea n.º 1 em Queluz no qual o Exército entrega oficialmente à Associação de Comandos a Bataria da Lage.
A Bataria da Lage não é um museu militar, é uma antiga unidade que foi adaptada para o fim a que se destina.
As peças Krupp que ali foram instaladas em 1946, quando a bataria sofreu a última grande remodelação, mesmo que desmilitarizadas continuam bem conservadas.
Para ver este modelo de peças de artilharia não há em Portugal actualmente outro local onde o público tenha acesso relativamente fácil, e esteja devidamente mantido, senão aqui.
As tabelas de tiro previam dados até 7.500m de alcance.
Os elevadores de transporte de munições dos paióis, no piso inferior, para as armas estão “operacionais”.
Nos seus tempos, vistas do mar, não deveria ser muito fácil localizar estas armas e menos atingi-las.
O edifício do Posto de Controlo de Tiro ainda não foi intervencionado, mas está em estado muito razoável.
A Bataria da Lage em 2019
A Bataria da Lage, bem entendido, não é um museu e assim deve ser olhada por quem a visita. Sendo certo que já estive em museus militares bem mais fracos, também é verdade que se trata de uma instalação militar adaptada para ser o que é, uma Associação. Foram assim criadas as condições para que os associados e seus convidados ali possam estar, passar algum tempo de convívio, almoçar, e, ainda, para corresponder às necessidades de uma associação com locais adequados quer a reuniões e cerimónias quer a actividades de ocupação de tempos livres. No entanto, e isto é naturalmente muito significativo para quem visita a Lage, há três espaços interiores que poderemos dizer constituem salas históricas: uma dedicada à Artilharia de Costa, outra aos Comandos do Exército Português e uma última à Associação de Comandos.
O busto do Coronel Comando Gilberto Santos e Castro (1928-1996) que foi Presidente Honorário da Associação de Comandos e um dos seus fundadores, tem honras de destaque junto ao memorial aos mortos.
Na Lage estão expostas duas Chaimite V-200. Uma delas, a MX-57-37 é a que o então comandante do Regimento de Comandos, Coronel Jaime Neves, usou em 25 de Novembro de 1975. “… foram cedidas à Associação de Comandos pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, General Frederico José Rovisco Duarte e foram colocadas neste local em 25 de Novembro de 2016”.
Estátua do Coronel Vicente Nicolau de Mesquita (herói macaense, 1818-1880) que esteve no Largo do Senado em Macau de 1940 a 1966. “Oferecida à Associação de Comandos pelo governador de Macau em 1986, Contra-Almirante Almeida e Costa, para que fosse preservada, dignificando-a…”. Nesta foto em segundo-plano também de distinguem cabos da pista para actividades “radicais”.
Miniatura de “Uma Lulik” (Casa Sagrada) característica da região de Los Palos, em Timor-Leste,”…oferecida à Associação de Comandos pelo Presidente da República de Timor-Leste General Taur Matan Ruak em 29 de Junho de 2017, Dia dos Comandos”.
Espigueiro, Canastro ou Caniço, “…este é originário da Serra de São Macário e da Serra da Gralheira, e foi oferecido pelo sócio E n.º 5635 Coronel Reformado da GNR José de Figueiredo Loureiro, 29 de Junho de 2019, Dia dos Comandos”
Todas de razoáveis dimensões, recentemente inauguradas estão em muito bom estado e têm muita informação. Imagino que para os associados a mais significativa será a dos Comandos que está realmente muito bem concebida, é altamente simbólica e aborda de modo muito detalhado a História dos Comandos; a da Associação é um excelente repositório de recordações do que tem sido esta ONG com um papel extraordinário na defesa dos interesses dos Comandos como corpo militar do Exército Português; a da Artilharia de Costa sendo a mais discreta, tem informações que não se encontram em mais nenhum museu (que eu saiba!), uma boa colecção de fotografias e documentos desta e de várias outras batarias e de várias épocas.
Como já referido a Lage foi adaptada para a finalidade a que se destina e assim podemos ver diversos elementos que visam homenagear os heróis dos Comandos e as visitas de antigas unidades ou cursos, mas também ofertas de grande dimensão que foram entregues à Associação.
Parque das Merendas, bem preparado para receber muita gente e confeccionar refeições!
Pista para execução de actividades “radicais”.
Outra componente importante da Lage é a ocupação dos tempos livres – sobretudo para entidades que não pertencem à Associação mas que com ela têm acordos – e nesse sentido além de áreas de repouso onde se podem montar tendas, e de confecção de alimentos – o Parque das Merendas – tem ainda equipamentos para praticar “actividades radicais”. Esta é uma área na qual, como nos disseram, além de alguns antigos Comandos que aqui fazem os seus encontros, a Lage recebe milhares de escuteiros ao longo do ano para realizarem as suas actividades.
O restaurante é muito utilizado pelos associados e seus convidados e será sem margem para dúvida uma das “âncoras” do local. Este tipo de equipamentos – a Bataria – só se justifica, só se consegue manter, se tiver vida, Na Lage, além naturalmente dos encontros associativos, são as actividades de tempos livres e o restaurante que dinamizam o espaço. A sua localização frente ao oceano e o pinhal que vai cobrindo parte do terreno, criam um ambiente natural muito agradável.
Espaço museológico dedicado à Artilharia de Costa.
Espaço museológico dedicado às Unidades de Comandos do Exército Português.
Espaço museológico dedicado à Associação de Comandos
Conclusão
Nas paredes da Lage como no seu interior e até nos elementos de grande dimensão expostos, a devoção aos Comandos e a Portugal está bem expressa.
A Associação de Comandos conseguiu fruto da influência e conjugação de esforços de uns, o patrocínio de mecenas e a atenção diária e desinteressada de um punhado de outros que ali trabalham em prol do objectivo comum, manter a Lage como está. Um exemplo para qualquer associação.
Mas não só, a Lage é um bom exemplo de como o Exército e no fundo o Ministério da Defesa Nacional, o Estado Português, pode entregar a uma Associação de antigos militares uma instalação degradada, sem qualquer utilidade nem para o Ramo nem para ninguém, e hoje, orgulhar-se do que ali foi feito. Sem custos para o contribuinte!
A Bataria da Lage é um espaço da Associação de Comandos, uma ONG. Têm acesso ao local os associados, os seus convidados, as pessoas envolvidas em actividades como as já acima referidas – são milhares – e tem sido prática da Associação não impedir ninguém de a visitar. Naturalmente que é sempre aconselhável para que a visita se concretize nas melhores condições e com acesso a todas as salas, um pedido prévio.
Morada: Rua Nuno Álvares Pereira nº1, 2780-967 Oeiras
Telefone: 218 261 075
associacao.comandos.dn@gmail.com
bateriadalaje@gmail.com
Restaurante: Reservas – 218 261 075
(in Operacional)